Isabella Lasmar
Psicóloga clínica. Psicanalista em formação pela SPRJ. Membro da Trieb Mineira.

 

O complexo de Édipo, conforme proposto por Freud, é uma fase do desenvolvimento psicossexual que ocorre na primeira infância, entre os 3 e 6 anos. O primeiro objeto de amor, tanto para a menina quanto para o menino, é a mãe. A partir da constatação da diferença sexual, a menina se ressente com a mãe por esta não ter dado um pênis a ela e volta seu amor para o pai, dando início ao Complexo de Édipo. Já o menino, não muda seu objeto de amor, o que o faz abandonar o desejo incestuoso pela mãe é o medo do pai através da ameaça de castração. Em ambos os casos, a criança vê o genitor do mesmo sexo como um rival. O menino sente ciúmes e hostilidade em relação ao pai, pois o vê como um competidor pelo afeto da mãe e a menina, da mesma forma, rivaliza com a mãe. Freud acreditava que a resolução bem-sucedida do complexo de Édipo ocorre quando a criança começa a identificar-se com o genitor do mesmo sexo, e esse processo de identificação ajuda a criança a internalizar as normas e valores da sociedade, formando o superego, que é a parte da personalidade responsável pela moralidade e pelos padrões éticos.

Melanie Klein (1928) trouxe outra visão sobre o complexo de Édipo, diferenciando-se  das ideias de Freud. Para ela, o complexo edípico começa muito mais cedo, por volta dos 6 meses a 2 anos de idade. Enquanto para Freud o complexo de Édipo se inicia a partir da constatação da diferença sexual, em Klein, as tendências edipianas se manifestam como consequência da frustração vivida pela criança com o desmame. A primeira castração sofrida é o corte do cordão umbilical. Quando a criança se separa do corpo da mãe ao nascer, é através da aproximação mental e física com o seio gratificante que ela readquire o sentimento perdido dessa segurança da unidade pré-natal com a mãe.

No desenvolvimento infantil, através do desmame, a criança sofre a primeira grande frustração e, posteriormente, essa experiência é reforçada pelas frustrações anais sofridas durante o treinamento dos hábitos de higiene, através do controle dos esfíncteres. Por último, há a constatação da diferença anatômica entre os sexos, influenciando de forma determinante o psiquismo infantil.

Klein enfatizou que, desde muito cedo, as crianças experimentam sentimentos intensos de ciúme e inveja, especialmente em relação aos pais. Ela acreditava que essas emoções são centrais para o desenvolvimento do complexo de Édipo. Dessa maneira, a criança sente inveja do pai, por causa da relação que ele tem com a mãe e vice-versa.

Outro aspecto importante na teoria de Klein é a posição depressiva, que ocorre quando a criança começa a perceber que os pais são figuras separadas e independentes, e não apenas extensões de si mesma. Essa percepção traz sentimentos de culpa e a necessidade de reparação de qualquer dano imaginário causado por seus sentimentos agressivos. Klein acreditava que a resolução dessa posição depressiva é fundamental para a resolução do complexo de Édipo e para a integração do superego, tornando-o menos rígido e mais equilibrado ao longo do desenvolvimento.

Além disso, Klein sugeriu que o complexo de Édipo não é uma fase que simplesmente termina, mas é algo que continua a influenciar o desenvolvimento emocional no decorrer da vida. Ela também destacou a importância das fantasias inconscientes e das ansiedades primitivas na formação do superego.

Os contos de fadas ajudam as crianças a enfrentar essas manifestações do complexo de Édipo. Conforme exposto, durante o conflito edípico, o menino sente ódio pelo pai, pois acredita que ele impede o amor exclusivo da mãe. Ele deseja ser visto pela mãe como o grande herói, o que implica que, de alguma forma, ele precisa afastar o pai. No entanto, essa ideia gera ansiedade, pois o menino também ama e precisa do pai, e teme que ele descubra seus desejos e se vingue terrivelmente.

Segundo Bettelheim (2023), dizer a um menino que ele crescerá, se casará e será como o pai pode aliviar a pressão imediata, mas os contos de fadas oferecem uma maneira de lidar com esses conflitos, sugerindo fantasias que a criança não poderia criar sozinha.

Nesse sentido, contos de fadas frequentemente narram a história de um menino não reconhecido que sai pelo mundo e alcança grande sucesso. Os problemas edípicos das meninas são diferentes, e as histórias que as ajudam a enfrentar esses conflitos têm características distintas. Embora os detalhes variem, a trama básica é a mesma: um herói improvável supera desafios, mata dragões, resolve enigmas e, com sua inteligência e bondade, liberta a princesa, casa-se com ela e vive feliz para sempre. O menino se vê como o herói principal.

A história sugere que não é o pai que impede a exclusividade com a mãe, mas um dragão malvado, e o objetivo é derrotar esse dragão. Além disso, a história valida o sentimento do menino de que a mulher mais desejável está presa por uma figura maligna, implicando que não é a mãe que ele deseja, mas uma mulher maravilhosa que ele ainda encontrará. A história também reforça a ideia de que a mulher maravilhosa (mãe) não está com a figura maligna por vontade própria, mas preferiria estar com um jovem herói (o menino). O herói, sempre jovem e inocente, representa a inocência da criança, permitindo que ela se veja como um herói orgulhoso, sem culpa por suas fantasias. É comum que, uma vez que o dragão é derrotado e a princesa é libertada, a história termine com o herói e a amada vivendo “felizes para sempre”, sem mais detalhes sobre a vida futura. Nos contos de fadas, o ideal do menino é que ele e sua “princesa” (mamãe) vivam juntos, satisfeitos e felizes para sempre.

Como os problemas edípicos da menina são diferentes dos do menino, as histórias que a ajudam a enfrentar sua situação edípica têm um caráter diferente. O que impede a existência edípica feliz da menina com seu pai é uma mulher mais velha e mal-intencionada (a mãe). No entanto, como a menina ainda deseja o carinho da mãe, existe uma figura feminina benevolente em sua memória ou nos contos de fadas, cuja imagem feliz é mantida intacta, embora inativa. A menina se vê como uma jovem linda, uma princesa, presa por uma figura feminina malvada e egoísta, sem acesso ao homem amado. O pai da princesa aprisionada é retratado como benevolente, mas incapaz de resgatar sua filha adorada. Em “Rapunzel”, é uma promessa que o impede. Em “Cinderela” e “Branca de Neve”, ele parece incapaz de enfrentar a madrasta poderosa.

O menino, que se sente ameaçado pelo pai devido ao desejo de substituí-lo nas atenções da mãe, projeta o pai como um monstro ameaçador. Isso também prova ao menino que o pai é um rival perigoso, pois, caso contrário, ele não seria tão ameaçador. Como a mulher desejada está presa pelo “dragão”, o menino acredita que apenas a força bruta impede essa mulher adorável (mãe) de se unir a ele, o jovem herói.

Nos contos de fadas que ajudam a menina a entender seus sentimentos, são os ciúmes intensos da madrasta (mãe má) ou da feiticeira que impedem o amante de encontrar a princesa. Esse ciúme mostra que a mulher mais velha sabe que a jovem é a preferida, mais amável e mais digna de ser amada.

Enquanto o menino edípico não deseja qualquer criança que interfira no envolvimento completo da mãe com ele, a situação é diferente para a menina edípica. Ela realmente deseja dar ao pai o presente amoroso de ser mãe de seus filhos.

Na vida familiar comum, o pai está frequentemente ausente, enquanto a mãe, que deu à luz e criou o filho, continua fortemente envolvida nos cuidados da criança. Assim, um menino pode facilmente imaginar que o pai não é tão importante em sua vida. Já uma menina não consegue conceber a ideia de dispensar os cuidados da mãe. Por isso, a substituição de um pai originalmente “bom” por um padrasto é rara, enquanto a presença de uma madrasta malvada é frequente. Como os pais geralmente dão menos atenção à criança, não há uma decepção tão grande quando o pai começa a interferir ou a fazer exigências. Portanto, o pai que bloqueia os desejos edípicos do menino não é visto como uma figura má dentro de casa, ao contrário da mãe. Em vez disso, o menino projeta suas frustrações e ansiedades em um gigante, monstro ou dragão.

Melanie Klein, ao descrever a posição esquizo-paranoide, afirma que inicialmente o bebê vê a mãe como duas entidades separadas: uma que satisfaz suas necessidades (mãe boa) e outra que frustra seus desejos (mãe má). Dessa maneira, a criança projeta seus impulsos agressivos em objetos externos para lidar com a ansiedade persecutória. Associando a fantasia edípica da menina aos contos de fadas, pode-se observar que a mãe é dividida em duas figuras: a mãe boa e maravilhosa, pré-edípica, e a madrasta malvada edípica.  A mãe boa, na fantasia, nunca teria ciúmes da filha ou impediria o príncipe (pai) e a jovem de viverem juntos e felizes. Assim, para a menina, a crença na bondade da mãe pré-edípica e a lealdade profunda a ela tendem a reduzir a culpa em relação ao que a menina deseja que aconteça à madrasta que está no seu caminho.

Outros conceitos importantes na obra de Klein e que estão muito presentes nos contos de fadas é o splitting e a identificação projetiva. O primeiro é um mecanismo de defesa onde a mente divide objetos (e pessoas) em partes boas e más, sem integrá-las. É uma forma de proteger o ego de angústias insuportáveis, especialmente nos primeiros estágios da vida. A identificação projetiva é quando uma pessoa projeta partes de si mesma em outra pessoa, e depois se identifica com essa projeção. Isso é mais do que simplesmente ver as próprias características nos outros, pois envolve tentar controlar ou influenciar a outra pessoa para que ela realmente incorpore essas projeções. Isso é bastante explorado nos contos de fadas infantis, onde os personagens frequentemente encarnam elementos do psiquismo da criança, ajudando a processar e integrar esses sentimentos complexos.

Por exemplo, na história de “Cinderela”, a madrasta má e as irmãs representariam as partes da personalidade da própria protagonista que ela considera ameaçadoras ou indesejáveis. Podem ser vistas como rivais femininas no imaginário da criança, projetando a competição e a inveja associadas ao complexo de Édipo. Quando Cinderela supera suas adversidades com a ajuda de uma figura mágica (a fada madrinha), isso simboliza a integração dos aspectos positivos e a superação dos negativos.

No conto de “João e Maria”, podemos identificar a figura da bruxa como uma projeção dos sentimentos de medo e rivalidade que surgem com o complexo de Édipo. A bruxa, que aprisiona as crianças, pode simbolizar a mãe castradora na mente infantil, um obstáculo a ser superado para alcançar a independência.

Outro exemplo é “A Bela e a Fera”. A Fera pode ser vista como uma projeção dos aspectos sombrios do pai. A relação complexa entre Bela e a Fera é uma forma de trabalhar esses sentimentos ambivalentes e a aceitação das características do pai que a criança inicialmente considera monstruosas.

Derrotar o dragão, tão presente nos contos infantis, diz respeito à parte malvada e agressiva dentro da criança projetada no mundo externo, personificada no dragão. É uma tentativa de proteger seus objetos bons no mundo interno (pai ou mãe, ou pais combinados amorosamente dentro de si). Os dois mecanismos também são vistos na mãe malvada (madrasta), aquela que frustra, e na mãe boa, que acolhe e satisfaz as necessidades da criança. Podemos ver a presença desses mecanismos também quando a fantasia inconsciente da menina de poder vencer a madrasta aponta para vencer essa visão de mãe distorcida por sentimentos persecutórios dentro dela. Com isso, pode estabelecer, então, uma vivência interna de uma mãe mais duradoura e amorosa.

O menino vence o dragão e a menina vence a bruxa malvada, salvos pelas figuras idealizadas. É importante ressaltar que o splitting normal dá à criança a capacidade de discriminar o bom do mal e a partir disso proteger os objetos bons dentro da sua mente.

Esses contos servem não apenas como entretenimento, mas também como ferramentas simbólicas para ajudar as crianças a processarem emoções complexas e conflitos internos. Assim, os contos de fadas funcionam como uma espécie de teatro psicológico onde a identificação projetiva é continuamente encenada e resolvida, permitindo que as crianças processem e trabalhem seus conflitos internos de forma segura.

Dessa maneira, tanto meninas quanto meninos, graças aos contos de fadas, podem ter o melhor dos dois mundos: podem desfrutar plenamente das satisfações edípicas na fantasia e na vida real, mantendo boas relações com ambos os pais.

Para o menino, se a mãe o decepciona, há sempre a princesa do conto de fadas em sua mente, aquela mulher maravilhosa do futuro que compensará todas as dificuldades presentes e cuja lembrança torna mais fácil suportar esses desafios. Se o pai dá menos atenção à filha do que ela deseja, ela pode suportar essa adversidade porque um dia chegará um príncipe que ela preferirá a todos os outros.

Como tudo acontece em um mundo de fantasia, a criança não precisa se sentir culpada ou ansiosa ao imaginar o pai como um dragão ou gigante malvado, ou a mãe como uma madrasta ou bruxa cruel. A menina pode amar seu pai real, pois seu ressentimento por ele preferir a mãe é explicado pela ineficácia dele, como nos contos de fadas, onde ele é impotente diante de forças superiores. Isso não a impede de encontrar seu príncipe. A menina pode amar ainda mais sua mãe, pois deposita toda sua raiva na figura da mãe-competidora, que recebe o que merece, como a madrasta de Branca de Neve. O menino pode amar ainda mais seu pai real depois de transferir sua raiva para a fantasia de derrotar o dragão ou gigante malvado.

Essas fantasias, que seriam difíceis para uma criança criar sozinha, ajudam muito a superar a angústia edípica. Além disso, as mães não podem aceitar os desejos dos meninos de eliminar o pai e casar-se com a mãe, mas podem participar com prazer da fantasia onde o filho se imagina como o matador de dragões que conquista a princesa. A mãe também pode encorajar as fantasias da filha sobre o príncipe encantado com quem se casará, ajudando-a a acreditar em uma solução feliz, apesar das decepções atuais. Assim, em vez de perder a mãe devido ao desejo edípico pelo pai, a filha percebe que a mãe não só aprova esses desejos disfarçados, mas até deseja que se realizem. Através dos contos de fadas, os pais podem se unir aos filhos em todas as viagens de fantasia, enquanto mantêm, na vida real, a importante função de cumprir as tarefas parentais.

Dessa forma, a criança obtém o melhor dos dois mundos, o que é necessário para se tornar um adulto seguro. Na fantasia, a menina pode vencer a madrasta, cujos esforços para impedir sua felicidade com o príncipe fracassam. O menino pode matar o dragão e conseguir o que deseja em uma terra distante. Ao mesmo tempo, tanto o menino quanto a menina podem manter em casa o pai real como protetor e a mãe real que fornece todos os cuidados e satisfações de que precisam. Como fica claro que a matança do dragão e o casamento com a princesa prisioneira, ou o encontro com o príncipe encantado e a punição da bruxa malvada, ocorrem em tempos e lugares distantes, a criança normal nunca confunde isso com a realidade.

As histórias de conflitos edípicos são típicas da maioria dos contos de fadas que ampliam os interesses da criança além da família próxima. Para dar seus primeiros passos em direção a uma individualidade madura, a criança deve começar a encarar o mundo mais amplo. Se não recebe apoio dos pais em sua exploração real e imaginária do mundo fora de casa, corre o risco de empobrecer o desenvolvimento de sua personalidade.

A aprendizagem infantil envolve a criança em tomar decisões sobre como se mover de forma independente, no momento certo, e em direção às áreas da vida que ela escolhe. Os contos de fadas auxiliam nesse processo ao transmitir, de maneira implícita e simbólica, quais são as tarefas apropriadas para cada idade, como lidar com sentimentos ambivalentes em relação aos pais e como controlar esse turbilhão de emoções. Além disso, eles alertam sobre possíveis armadilhas que a criança pode encontrar e evitar, sempre prometendo um desfecho positivo.

 

 

 Referências:

BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2023. 448p.

KLEIN, M. Primeiras fases do complexo de Édipo: 1928. In: KLEIN, M. Contribuições à psicanálise. São Paulo: Mestre Jou, 1970. p. 253-267.

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