Paula Januzzi Serra
Psiquiatra. Psicanalista, Membro Associado da SPRJ. Membro da Trieb Mineira.
Em um determinado momento diante da televisão, esperando um programa musical começar, uma propaganda me chamou atenção. Mostrava uma cena bem familiar: um jovem diante de uma grande tela, vidrado em seu videogame, com enormes fones de ouvido. A mãe, repetidamente, tenta chamá-lo para pedir algo, mas é solenemente ignorada. Visivelmente vencida pela situação, recorre ao aparelho de inteligência artificial da casa, sendo prontamente atendida. Interessante notar que tais aparelhos costumam ter nomes femininos. Por que será? Mas essa é pauta para outro momento.
Fiquei impactada pela propaganda, pensando que, em tempos de inteligências artificiais e excesso de telas, quem nos escuta? A mãe, certa de que não foi escutada por um ouvido humano, recorre a um “ouvido eletrônico” que cumpre seu pedido imediatamente.
Quando a casa é preenchida por pequenas máquinas que executam ordens rapidamente, e por telas que mostram uma realidade virtual repleta de estímulos muito mais rápidos e intensos do que a vida real é capaz de oferecer, o que acontece com as relações humanas? O que acontecem com o diálogo, a capacidade de esperar, o silêncio, a escuta cuidadosa? Sem linguagem humana o afeto não transita, a vida emocional empobrece, ficamos um tanto automatizados e operatórios, cumprindo cronogramas, muitas vezes, vazios de sentido.
E se a mãe da propaganda ousasse e em vez de acionar a inteligência artificial, pausasse a TV? Poderia haver uma discussão acalorada e viva, com todo o afeto que é necessário aos vínculos!